O Programa de Proteção Jurídico-Sanitária de Consumidores de Produtos de Origem Animal (POA) do Ministério Público do Estado de Santa Catarina completou 25 anos.

Criado em 1999 pelo Ministério Público de Santa Catarina, em parceria com o Ministério da Agricultura, com as Secretarias de Estado e com o Conselho Regional de Medicina Veterinária, o Programa de Proteção Jurídico-Sanitária de Consumidores de Produtos de Origem Animal (POA) já retirou de circulação mais de 1.700 toneladas de alimentos impróprios para consumo.

No dia 21 de outubro de 1999, o Programa de Proteção Jurídico-Sanitária de Consumidores de Produtos de Origem Animal (POA) foi criado com o objetivo de reprimir, no Estado de Santa Catarina, a produção e a comercialização de produtos de origem animal impróprios para o consumo, além de fixar critérios e normas para ações conjuntas de fiscalização, combater a sonegação, promover a preservação ambiental e, sobretudo, proteger a saúde dos catarinenses. A gravidade dos riscos principalmente à saúde dos consumidores mobilizou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC); as Secretarias de Estado da Fazenda, do Desenvolvimento Rural e da Agricultura, da Saúde, da Segurança Pública e do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; o Ministério da Agricultura e do Abastecimento; e o Conselho Regional de Medicina Veterinária de Santa Catarina em torno da criação do Programa, que completa 25 anos em 2024. 

Os números comprovam a importância e a eficácia do POA. Desde a assinatura do termo de cooperação técnica que deu origem ao Programa, já foram contabilizadas mais de mil operações com alcance em todos os municípios catarinenses. Graças ao trabalho do MPSC, por meio do Centro de Apoio Operacional do Consumidor (CCO), e das Promotorias de Justiça que atuam na área com as instituições parceiras, em duas décadas e meia foram retiradas do mercado mais de 1.700 toneladas de alimentos impróprios ao consumo. São produtos sem identificação de procedência – muitos provenientes de indústrias clandestinas -, com prazo de validade vencido ou fora das especificações de armazenamento indicadas pelo fabricante, entre outros problemas. 

Na época, o termo foi assinado pelo ex-Procurador-Geral de Justiça do MPSC José Galvani Alberton, que havia assumido o comando da Instituição naquele ano. Alberton lembra que o início das atividades do POA foi marcado pelo foco no combate aos abatedouros clandestinos, estratégia provocada pelo número expressivo de denúncias que eram recebidas pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc). Segundo ele, o número de casos de animais com a doença parasitária cisticercose era preocupante, visto que oferecia sérios riscos às pessoas que consumiam carne suína sem procedência.   

“Diante da situação, chegamos à conclusão de que o cenário de preocupação poderia se estender e tomar uma dimensão maior. As notícias dessas ocorrências começaram a se multiplicar a ponto de atrapalhar o comércio em geral desses produtos, provocando um impacto negativo na própria economia familiar das pessoas que viviam daquele tipo de atividade. Foi aí que decidimos mudar um pouco o modelo de atuação, de modo a gerar mais resultados e menos estatísticas judiciais”, relata.  

Início das operações 

Um dos idealizadores do POA, o Procurador de Justiça Pedro Steil, afirma que, naquele momento, o MPSC começou a agir de forma pioneira, em relação aos demais estados, ao iniciar uma estratégia baseada em programas institucionais, com a participação dos órgãos técnicos em torno desses projetos. Segundo ele, a atuação por meio de programas também se deu em razão de os órgãos técnicos estaduais e municipais não disporem de aceitação suficiente perante a população para que fossem ouvidos e atendidos em suas demandas de fiscalização.  

“A parceria com o Ministério Público deu voz a esses órgãos, que muitas vezes eram ignorados pelos estabelecimentos fiscalizados. Com a integração do MPSC e seus parceiros, como a Cidasc e o MAPA, as fiscalizações passaram a surtir o efeito esperado, com o devido cumprimento das normas e dos compromissos firmados com infratores”, conta.      

Steil, que era Coordenador do Centro de Apoio das Promotorias da Coletividade, ressalta que no início do projeto houve certa resistência da população, principalmente em municípios pequenos, onde os moradores ficavam sensibilizados com os estabelecimentos e achavam que o POA estaria colocando empecilhos à produção. Os produtores também resistiam em razão dos custos, que muitas vezes oneravam a produção em decorrência da regularização dos serviços. Com o passar do tempo, Steil conta que a situação foi ganhando o apoio da população e até dos produtores, principalmente em razão dos esclarecimentos. As apreensões eram quase que rotineiras. 

“O grande benefício, sem dúvida, foi em relação à segurança alimentar dos consumidores. Nem nós tínhamos noção dos riscos que o consumo de alimentos impróprios poderia representar à saúde das pessoas. Muitos estados estiveram aqui e replicaram esse projeto, reconhecendo a sua relevância para a saúde pública e a economia”, conclui. 

De acordo com o Procurador-Geral de Justiça, Fábio de Souza Trajano, na época Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Consumidor e um dos idealizadores do Programa, a fiscalização, especialmente nos abatedouros clandestinos, não existia. Segundo ele, a Vigilância Sanitária tinha por missão fiscalizar os estabelecimentos comerciais, enquanto a Cidasc tinha por responsabilidade fiscalizar os abatedouros regularizados. “Entretanto, em relação aos abatedouros clandestinos, a Cidasc não fiscalizava porque não eram regulares, e a Vigilância Sanitária não os fiscalizava porque não eram casas de comércio”, relembra.  

“Quando tivemos conhecimento dessa realidade, chamou-nos a atenção o fato de que existiam muitos estabelecimentos que não eram fiscalizados e que abatiam animais sem qualquer condição de higiene e sem que se pudesse identificar os cuidados e a procedência. Por isso, o grande motivador da criação desse Programa foi a preocupação com a saúde do consumidor. Tivemos acesso a índices preocupantes de doenças ligadas ao consumo de carne de porco, como a cisticercose, o que mobilizou diversos órgãos de estado em torno desse projeto”, relata. 

Ainda segundo Trajano, o trabalho inicial do POA envolveu uma mudança de cultura, com base na conscientização e na educação, mas também mediante a aplicação de sanções, por meio dos termos de ajustamento de conduta (TAC), o instrumento mais importante no processo. O uso do TAC possibilitava que aquela produção, aquele abate ou aquela comercialização se adequassem às regras do Código de Defesa do Consumidor e às normas sanitárias, podendo continuar em atividade. “Atuamos sempre na prevenção e na orientação, mas sem deixar de cumprir com as obrigações e sanções”, explica.  

Reflexos sobre a economia  

A primeira fase das operações do POA se concentrou na fiscalização dos abatedouros clandestinos, período que reuniu casos de grande repercussão estadual, como as criações de porcos em lixões. Para se ter uma ideia, em apenas dois meses de trabalho foram interditados 10 abatedouros, resultando em multa e apreensão de 250 quilos de carne. Também foram abatidos 397 suínos criados em lixões em Bom Jardim da Serra, Orleans, Lages e Palma Sola. Em estabelecimentos de Florianópolis e Chapecó, foram apreendidas duas toneladas de carne embalada indevidamente, após vistoria em 15 estabelecimentos comerciais.   

Além dos abatedouros, num segundo momento, o foco passou a alcançar os comércios clandestinos desses produtos, com ações de fiscalização e, posteriormente, de regularização dos estabelecimentos. Graças à atuação do POA, milhares de estabelecimentos migraram da informalidade para o mercado formal, a exemplo dos açougues localizados em supermercados, cujas estruturas atuais, dispostas conforme as regras sanitárias, são fruto do trabalho do Programa, como relatou o Assessor Técnico do CCO Roberto Mattos Abrahão, que participou durante toda a vigência do POA. 

“Quando ficaram visíveis os benefícios promovidos com a regularização, até os supermercados passaram a pedir a fiscalização do POA, como forma de regularizar a situação dos açougues, visto que no passado eram empreendimentos geridos de forma independente. Da mesma forma, o trabalho ganhava destaque junto aos consumidores, dada a expressiva mudança de padrão de qualidade promovida com as fiscalizações e regularização”, conta. 

Após longo trabalho em torno dos abatedouros e do comércio de carnes, o POA também protagonizou uma importante participação na transformação da indústria de pescados em Santa Catarina, consolidando-se como uma referência nacional no controle da produção e do comércio de produtos de origem animal, promovendo inclusive mudanças na legislação federal por conta do destacado trabalho.  

Segundo Roberto Abrahão, outro caso emblemático foi o do Mercado Público Municipal de Florianópolis. Durante a reforma do Mercado, as tradicionais peixarias tiveram que ser temporariamente transferidas para outro local, por conta das obras. Nesse contexto, a atuação do MPSC foi determinante para que, antes que os comércios retornassem às dependências do Mercado, fossem estabelecidos diversos critérios e normas sanitárias que garantissem as condições necessárias para a segurança dos consumidores. 

Entre as conquistas alcançadas nos últimos 25 anos, com impacto direto no segmento econômico de produtos de origem animal, destaca-se o salto de 50 estabelecimentos regularizados em 1999 para 1.900 estabelecimentos em 2024, que operam com registro nos sistemas de inspeção oficiais, aí incluídos o SIF (federal), o SIE (estadual) e os SIMs (municipais).   

Para o Procurador-Geral de Justiça, Fábio Trajano, embora não seja possível monetizar os resultados quando se fala na saúde das pessoas, o impacto sobre a sociedade é incalculável, em termos de melhorias na qualidade dos produtos destinados à população e na retirada de circulação de milhares de toneladas de produtos impróprios. Além disso, Trajano destaca a grande contribuição do POA para que centenas de empreendedores regularizassem os seus estabelecimentos. “Santa Catarina é um estado exemplo para o país, um grande exportador de carne suína, e alcançamos um aumento expressivo no número de estabelecimentos regularizados. Hoje há significativa conscientização em relação à importância da observância das regras de higiene e de comercialização dos produtos de origem animal, e as ações do POA certamente contribuíram de forma efetiva nesse processo”, diz.  

Como é a atuação do POA 

O Promotor de Justiça Leonardo Cazonatti Marcinko, Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Consumidor, explica que os executores do POA são os integrantes do Centro de Apoio Operacional do Consumidor do MPSC; os membros titulares e as respectivas equipes das Promotorias de Justiça com atuação na defesa do consumidor; além dos órgãos parceiros que são responsáveis pelas ações de fiscalização. Segundo Marcinko, as operações são planejadas e organizadas pelo CCO em conjunto com as Promotorias de Justiça envolvidas em cada caso. A partir desse planejamento, as instituições parceiras são acionadas, com destaque para a Cidasc, a Vigilância Sanitária e o Ministério da Agricultura, para que se promova a ação fiscalizatória. O CCO também é responsável pelo suporte técnico-jurídico às Promotorias, nos planos extrajudicial e judicial. 

“Semestralmente são abertas as inscrições para as Promotorias de Justiça que pretendem aderir ao Programa. A partir da adesão dessas Promotorias, o CCO organiza a melhor data para a realização das ações de fiscalização na comarca. Definida a data, é feita uma reunião prévia na Promotoria de Justiça, para a qual são convocados todos os parceiros que irão atuar na fiscalização. Na reunião, também são definidos os pontos focais dessa fiscalização, ou seja, os locais em que haja denúncias”, explica. 

Havendo irregularidades, os órgãos parceiros encaminham os resultados para o CCO, que analisa as informações e identifica os possíveis pontos de atenção. Depois, essas demandas são encaminhadas às Promotorias de Justiça para análise e possível instauração de procedimentos, tendo o suporte do CCO durante todo o processo. Uma das providências mais comuns é o TAC, firmado com os responsáveis pelos empreendimentos irregulares, como forma de resolver a questão na seara extrajudicial. “Com a confecção do acordo, o Ministério Público passa a acompanhar e fiscalizar a adequação e regularização desse estabelecimento”, relata o coordenador do CCO. Os alimentos impróprios ao consumo apreendidos são inutilizados e destinados a um aterro sanitário. 

Em razão das operações, diversos procedimentos extrajudiciais e judiciais vêm sendo instaurados ao longo dos anos, a fim de buscar a regularização de atividades e a compensação pelos danos de caráter difuso causados aos consumidores. 

Além das ações repressivas, o POA trabalha também de modo preventivo/educativo. Durante as operações, são distribuídos exemplares de uma cartilha produzida pelo CCO, que apresenta aos consumidores medidas preventivas que podem ser úteis e benéficas na hora de comprar produtos de origem animal. Da mesma forma, comerciantes são orientados sobre a maneira correta de armazenar e comercializar os alimentos perecíveis.  

Parceiros reconhecem efetividade do Programa 

A gestora do Departamento Estadual de Inspeção de Produtos de Origem Animal da Cidasc, Alexandra Reali Olmos, destaca o sucesso da integração do MPSC com os diferentes órgãos fiscalizadores e educadores da população. Segundo ela, o POA reúne forças de atividades que têm um objetivo em comum: trazer a segurança dos alimentos para a população e a preservação da saúde pública. 

“O principal papel da Cidasc é atuar nas operações pelo estado com os colegas fiscais. Nossos médicos veterinários são chamados a participar do programa conforme a convocação que chega do Ministério Público. Nesse contexto, levamos o nosso conhecimento e a nossa capacitação para identificar aqueles alimentos que apresentam potenciais itens prejudiciais”, explica. 

Alexandra Olmos relembra muitas ações emblemáticas, que fizeram diferença tanto para os consumidores quanto para os empreendedores. Entre elas, cita o caso de uma tradicional família de produtores de queijos artesanais que durante anos estiveram na clandestinidade, sem registro ou sistema de inspeção. “Após a autuação no POA, o estabelecimento foi regularizado e os proprietários ficaram extremamente satisfeitos, e nós também, principalmente por terem compreendido essa importância de proporcionar alimento de qualidade e devidamente regularizado”, afirma. 

O Coordenador em exercício do 9º Sipoa (Serviços de Fiscalização e Inspeção de Produtos de Origem Animal) do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), Moacir Gaspar Júnior, explica que, em relação aos produtos de origem animal, o foco das ações conjuntas do POA tem uma gama bastante extensa de origens, classificações e categorias. “Por isso, é fundamental dispor dessa equipe multidisciplinar formada por profissionais qualificados, com conhecimento, experiência e um âmbito de atuação diferenciado, para que tudo possa ser analisado sobre todos os aspectos necessários”, diz.      

Além de reconhecer o trabalho competente das instituições parceiras, o Procurador-Geral de Justiça, Fábio Trajano, enaltece a participação dos Promotores de Justiça ao longo da história do POA. Segundo ele, as operações acontecem nas comarcas, portanto, na maioria das vezes, quem se envolve na coordenação e promove as responsabilizações devidas são as Promotoras e os Promotores de Justiça. “O resultado passa, portanto, pela atuação fundamental do MPSC, por meio das Promotorias de Justiça, na seara extrajudicial, com a promoção de centenas de termos de ajustamento de conduta, e na seara judicial, com a propositura de incontáveis processos criminais contra os infratores. Tudo isso tem a finalidade de resguardar a segurança e a saúde dos consumidores em Santa Catarina”, conclui. 

Fonte: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

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